Gnosticismo Thelêmico e o Santuário de Babalon

Por Tau Hanu


Na antiguidade tardia e durante a idade média, o termo Gnóstico serviu para englobar diversas seitas heterogêneas e díspares entre si. A palavra gnose em grego significa sabedoria, pois a sua doutrina era vista como uma “falsa sabedoria” pelos seus opositores. Boa parte do material textual que temos hoje à disposição foi escrita pelos heresiólogos da ortodoxia cristã, como fonte ou prova do falso conhecimento que aqueles grupos carregavam.

Até a consolidação da ortodoxia cristã no século III, quando o cristianismo se tornou a religião estatal do Império Romano, diversos sábios e filósofos atuaram em cima da mensagem difundida por Jesus de Nazaré na Palestina.

Enquanto alguns convergiam para um centro comum, a proto-ortodoxia católica, outros buscavam encontrar pontos de tangencia com os diversos cultos presentes no Império Romano, em especial na Ásia Menor.

Os gnósticos trabalhavam em prol a iluminação pessoal e cada grupo ou optava por uma leitura particular dos textos, até então constituídos, ou os constituíam seguindo suas experiências particulares. Por se tratar da reprodução textual de experiências pessoais, os textos gnósticos eram repletos de imagens místicas, o que gerava acusações de que eram muito “imaginativos”.

Com a consolidação estatal do Cristianismo pelo Império Romano, os movimentos gnósticos adormeceram, com uma ou outra aparição pontual no decorrer da sua história. Até que em uma noite de 1888, o bibliotecário Jules Doinel recebeu uma visão, onde uma entidade chamada “Aeon Jesus” apareceu e o encarregou da missão em prol da espiritualidade e o consagrou como “Bispo de Montségur e Primaz dos Albigeneses”. Outras aparições se sucederam a essa, até que em que em 1890 ocorreu a apartição de Sophia-Achamoth lhe proclamou o início de uma nova era onde a Gnose seria novamente relevada para toda a humanidade.

Poucos anos depois em fevereiro de 1904 o mago Aleister Crowley e sua esposa Rose Edith Kelly se encontram em Lua de Mel na cidade do Cairo, no Egito onde alugaram uma casa para uma breve temporada. Crowley converteu um dos quartos em um templo, e no dia 16 de março tentou impressionar sua esposa realizando um ritual de invocação dos silfos, espíritos elementais do ar. Crowley não havia prestado atenção no comportamento de Rose durante o rito, que começou a balbuciar “Eles estão esperando por você”. Crowley repetiu o ritual no dia seguinte, e mais uma vez Rose disse: “Eles estão esperando por você. É tudo sobre a criança. Tudo Osíris”. No terceiro dia, Rose complementou “Aquele que te aguarda é Hórus”. Crowley ficou aturdido sobre como Rose poderia estar canalizando essas mensagens e falando sobre Deuses, os quais ela não conhecia. Assim, ele a levou até o Museu Boulak para que ela identificasse o autor das mensagens, chegando assim até a Estela de Ankhefenkhons I.

Crowley procedeu com diversos testes para atestar a veracidade das mensagens recebidas por Rose, que no dia 19 de março informou ao seu Marido que ele deveria proceder com um ritual de invocação de Hórus. O ritual foi escrito previamente as pressas e Rose atuou ativamente na indicação de inclusão e/ou retirada de elementos. 

O ritual foi realizado no dia 20 de Março de 1904 e marcou o início do Novo Aeon, o Aeon de Hórus. Nas duas semanas seguintes, Crowley passou os dias no Museu buscando desvendar os mistérios da Estela e versificando a tradução apresentada pelo egiptólogo do museu. No dia 7 de abril Rose entrou em transe e ordenou a Crowley que nos 3 dias seguintes ele deveria ir até o Templo ao meio-dia e escrever tudo aquilo que ele escutasse. Assim ele o fez, recebendo o Livro da Lei nos dias 8, 9 e 10 de abril daquele mesmo ano.

Essa recepção ocorreu a partir do próprio Crowley transcrevendo as palavras que lhe foram ditadas por uma entidade chamada Aiwass, que se denominava como Ministro de Hoor-paar-kraat. Estas palavras formavam o Livro da Lei, uma escritura proclamava um novo período na história da humanidade, sob a lei de Thelema, cuja natureza pode ser explicada como: “Faz o que tu queres deve ser o todo da Lei”.

O Livro da Lei, enquanto pedra angular de Thelema, busca explicar o universo, além de apresentar os fundamentos e personagens da cosmogonia de Thelema: Nuit, Hadit e Hórus. Nuit é a Deusa do Espaço Infinito e Hadit, é a Alada Serpente de Luz, que representam dois princípios cósmicos de cuja interação decorre toda a existência: o contínuo espaço-tempo infinitamente estendido e onipresente, simbolizado por Nuit e o princípio atômico, individual, simbolizado por Hadit. Hórus, por sua vez, é apresentado como uma divindade dual, Ra-Hoor-Khuit e Hoor-paar-kraat, um aspecto ativo guerreiro e outro passivo silencioso, unidos no nome Heru-ra-há, representando não apenas a face do Aeon, mas os indivíduos que nele vivem.

Em primeiro momento ele próprio não daria tanta importância ao manuscrito, porém nos anos seguintes o Liber V el Legis se tornaria a pedra fundamental do trabalho da sua vida, o desenvolvimento de Thelema. Em 1912 Aleister Crowley foi ordenado Bispo Gnóstico na sucessão de Doinel, identificando em um a forma religiosa de outro. Em 1913, durante uma visita a Rússia, Crowley escreveu o Liber XV, a Missa Gnóstica, sob inspiração da liturgia de São Basílio da Igreja Ortodoxa Russa. Essa foi a primeira missa gnóstica e thelemica, que continha em si o mistério do Sacramento da Eucaristia a mensagem do Novo Aeon.

Até o momento do renascimento gnóstico do século XIX, era comum encontrar em determinados grupos algumas leituras misóginas de Sophia Achamoth como sendo um aspecto tolo e falho da divindade. Esse tipo de leitura criou um cascão na espiritualidade humana de modo que gnósticos contemporâneos se sentiram na obrigação de clamar por uma revisão a respeito do Sagrado no arquétipo feminino da Divindade.

Essa necessidade trouxe a tona o nome de Nossa Senhora Babalon, que embora não seja citada diretamente no Livro da Lei aparece de forma muito clara e constante em A Visão e A Voz - o volume que descreve todo o seu trabalho na exploração dos Aethyrs Enochianos, era o segundo livro mais importante dentre os Livros Sagrados de Thelema, perdendo em valor apenas para o próprio Livro da Lei. Crowley vislumbrou Babalon como a divindade que vive para além do abismo da dualidade da existência, o nome secreto de Nuit. Se Nuit representa a totalidade, Babalon se apresenta como um aspecto vital para a existência, sendo tanto a porta de entrada para vida na Terra como destino para os adeptos na consecução da Grande Obra.